“A vila de São José dos Campos, ou do Paraíba, fica dez léguas além da vila de Caçapava, seguindo sempre a estrada geral de S. Paulo em direção à capital.
O caminho corre por terrenos mais ou menos ondulosos, e, já em grande distância antes de entrar na povoação, por cima de imensos aterrados, que, à custa de muitos trabalhos e sacrifícios, se conseguiu fazer nos brejos e enormes pântanos que se estendem a perder de vista, formando o leito de caprichosos vales.
Apesar da uberdade do solo e das muitas condições vantajosas que o lugar oferece a seus moradores, a vila de S. José do Paraíba está ainda em notável atraso, e é um centro de pouco movimento, em relação, como dissemos, aos recursos de que dispõe.
Eis o que sabemos a respeito de sua fundação.
Os jesuítas escolheram este ponto à margem direita do rio Paraíba, e nele edificaram um colégio, onde doutrinaram, nos fins do século passado, grande número de índios. Expulsos os jesuítas dos domínios portugueses, agregaram-se aos índios, alguns brancos, e o governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, segundo as ordens que o Marquês de Pombal havia recebido, lhe conferiu o título de vila em 1767.
A população está situada dezessete léguas ao norte da capital da província, em um alto que domina os grandes campos que rodeiam, e demora em 23° 12 minutos de latitude e em 48° 4 minutos de longitude ocidental. Seu distrito compreende quatro léguas de largura sobre cinco de comprimento. Confronta ao oeste com Atibaia e ao sul com Jacareí.
Tem dois rios importantes, que são o Buquira e o Jaguari, que nascem nas abas da serra da Mantiqueira e percorrem o município até desaguarem no Paraíba, sendo ambos navegáveis em canoas mais de cinco léguas por este rio adentro, e produzem abundantes peixes.
Os campos, que compreendem uma área de pouco mais ou menos quatro léguas quadradas, são excelentes para a criação do gado muar, cavalar e vacum.
O aspecto destes campos é realmente das vistas mais agradáveis que se pode imaginar! É um ar calmo de verdura luxuriante, entremeado de mil arbustos e bosques pitorescos, onde os caçadores encontram abundantes perdizes, a ciência muitas ervas medicinais, o naturalista, peçonhentas cascavéis e outros répteis, bem como o viajante observador o tema eloquente para revestir com a imaginação as mais poéticas e curiosas descrições da opulenta e original natureza americana.
O terreno agrícola é aqui mais próprio para a plantação de café, cana, fumo e toda a espécie de mantimentos, com especialidade o arroz e o milho, que tão bem produzem nos terrenos baixos.
Os sertões, ainda na maior parte incultos neste município, fornecem magníficas madeiras, que são cortadas em grande quantidade e conduzidas para as povoações do Norte até à cidade de Lorena, a qual fica umas vinte léguas distante da vila.
Aqui existe muita caça de diferentes espécies, e é este um dos motivos que mais tem concorrido para os hábitos nômades de uma grande parte dos moradores destes contornos, que acham inútil procurar outros meios de subsistência, tendo este tanto à mão.
A vila, apesar de achar-se edificada sobre uma belíssima eminência, não sobressai muito nem mostra grande desenvolvimento, pois as casas são quase todas baixas, as ruas desiguais e mal alinhadas, e os dois largos que nela se encontram não tem saídas, e falta-lhes o adorno de alguns edifícios que atualmente se acham em construção, como a cadeia, casa da câmara e igreja matriz.
Perto da povoação, para o lado do Paraíba, existe uma capelinha chamada Santa Cruz, que é o lugar para onde costuma afluir o povo da vila, e que muito tem aumentado ultimamente em construções de casinhas, de modo que em breve unirá este ponto com o primeiro povoado.
É, portanto, este município um fecundo manancial de riquezas naturais que a mão da indústria poderia explorar com facilidade, mas a reconhecida indolência da maior parte de seus habitantes, e os vícios e costumes eivados de antigos prejuízos, conservam na esterilidade um torrão que parece regurgitar de seiva e pedir aos homens que o façam produzir e lhe inoculem pelo trabalho os gérmens da riqueza industrial.
É triste realmente que um povoado tão favorecido pela natureza se veja pobre e humilhado diante dos outros municípios, e que, tendo proporções para socorrer os vizinhos, se ache forçado a recorrer a eles!
Tendo todas as condições favoráveis para exportar muitas centenas de mil arrobas de café, exporta apenas cem mil, tal é a falta de braços produtivos, e sobretudo de sistema e método nos processos de cultura ali empregados!
A sua população compreende talvez 8.000 almas e grande será a nossa admiração quando soubermos que 7.000 delas são consumidoras!
Exceção das pessoas mais ilustradas, dos fazendeiros e comerciantes, o resto da população é naturalmente indolente, preguiçosa e alheia a todos os regalos da civilização, contentando-se apenas com qualquer meio de subsistência, sem se importar qual será a sua sorte no dia seguinte nem donde lhe virão recursos.
Como a terra é aqui abundante e toca a todos, esses homens, a quem se chama no lugar caipiras, cultivam a ferro e fogo o torrão que possuem, e plantam-lhe milho, feijão e arroz. Colhido o seu produto, que sem muito trabalho podem haver, levam-no ao mercado, onde o vendem para comprar a roupa que lhes é necessária durante o ano, e regressam à casa, entregando-se outra vez aos seus hábitos de ociosidade, confiados na fertilidade do solo, que lhes fornece abóboras, aipim, batatas e outros gêneros, bem como das matas, que lhes oferecem palmitos, aves e outras muitas qualidades de caça, assim como nos rios, que os alimentam com muitos, variados e gostosos peixes.
Nesta vida, quase completamente improdutiva, vão passando os anos e o tempo sem que se tire partido das grandes vantagens que promete o município, nem se desenvolva nenhum dos elementos de progresso que a natureza tão generosamente lhes confiou, “estando condenados, como observa um morador da vila que nos forneceu estas notas, a ver esvaecerem-se as nossas mais fundadas esperanças, deixando estéril o nosso solo tão fértil, e sem útil aproveitamento os nossos campos tão amenos, os nossos climas tão saudáveis, os nossos rios tão serenos, os nossos sertões tão opulentos e majestosos, tudo por falta de ação, de trabalho e de energia!”
Uma das cousas mais dignas de observar-se nesta localidade são os imensos brejos, a que dão aqui o nome de banhados, e que se estendem em grande distância aos pés da montanha em que está assentada a vila.
A vegetação decorada que nasce à superficie destes pantanais dá-lhes um aspecto singular, e parece que estamos em presença de um mar estagnado em perpétua calmaria. Aqui, afirmam-nos existir ainda muitos jacarés, se bem que a natureza do terreno tenda a modificar-se, de dia para dia mais sólido e compacto. Nas partes em que a terra é já firme e consistente gostam muito de pastar os animais, o que dá um realce pitoresco e agradável à monotonia da paisagem.
O município conta muitas lagoas, onde se fazem abundantes pescarias, e é enriquecido por numerosas pontes sobre os seus mais importantes rios, como sejam o Paraíba, Buquira, Jaguari e outros.
Parece-nos este um dos pontos da província de São Paulo que, com todas as probabilidades de bom êxito, melhor poderia aproveitar para a fundação de uma escola normal de agricultura. Nada falta no lugar para cabalmente satisfazer as exigências dum estabelecimento desta natureza.
Fica a ideia. Bom será que um dia alguém a ponha em prática.”
Com base nos apontamentos de Zaluar, é possível tabular e comparar a população das localidades por ele visitada:
Guaratinguetá – 34 mil habitantes.
Taubaté – 26 a 30 mil habitantes.
Mogi das Cruzes – 23 a 24 mil hab.
Jacareí – 16 a 18 mil hab.
Pindamonhangaba – 14 a 16 mil hab.
Lorena – 13 mil hab.
São José dos Campos – 8 mil hab.
Caçapava – 7 mil hab.
Ainda que os dados de Zaluar possam ser imprecisos para as cidades de Taubaté, Mogi das Cruzes, Jacareí e Pindamonhangaba, isso muito provavelmente não afetaria a ordem decrescente que estabelecemos no quadro acima.
São José dos Campos era bem menos populosa que a grande maioria das localidades visitadas, sobrepujando apenas a vizinha Caçapava.
Fontes e foto: Peregrinação pela Província de São Paulo (Zaluar, Augusto Emílio) / São José dos Micuins Vitor Chuster
Augusto Emílio Zaluar (*Lisboa, 1826 / +Rio de Janeiro, 1882), poeta, escritor e jornalista, fez uma viagem pela então Província de São Paulo, entre os anos de 1860 e 61, trabalho esse que resultou na majestosa obra “Peregrinação pela Província de São Paulo” (240 pag. Livraria Martins Editora – SP), onde relata com detalhes as características de algumas cidades paulistas daquela época, dentre as quais a nossa São José dos Campos.
Participe das discussões no Grupo Resgatando São José.